quarta-feira, setembro 26, 2007

sobras da noite


a noite é saudade que não se mensura,
após fechada a porta.
quando o silêncio assume os semblantes da estranheza,
e o traçado das lesmas na parede
é consumido, como tudo em volta.
não sinto o coração batendo ao peito.
os casulos das horas se fecharam.
mas tenho tudo, os sobejos da noite:
a canção dos grilos,
o trabalho contínuo da poeira,
e a inutilidade dos biscuits.

.
.
Carlos Henrique Leiros
.
.

[moon and half dome (ansel adams)]

sexta-feira, setembro 21, 2007

a dança lunar


basta-me o afã
da visão que se alastra
e não conhece em ti qualquer fronteira.
.
pois sei precisamente
aonde acenam as flâmulas
que demarcaram o fim do meu delírio.
.
em dubiez, reclina-te,
esfalfa-te, pois que o último reinado
sobre esta terra se extinguiu, silente.
.
a nossa dança lunar é quase heróica
e na minha visão cristalizada
estás, sempre estarás, crescente.
[minguante]

.
.
Carlos Henrique Leiros
.
.

[maki (erick ellerman)]

sábado, setembro 15, 2007

inflara o homem desnudado seu peito de plumas


inflara o homem desnudado
seu peito de plumas
contra as agruras do vento
e vinham-lhe – de todos os recantos –
cheiros de viagem interrompida
com trens a debulhar
nas estações, ruindo de cansaço,
o fardo das entranhas
.
o homem confiara ao seu próprio silêncio
- ante o tremeluzir das plumas –
que o som de cada trem imaginado,
vindo no vento, ao fim,
agonizava como uma nuvem crua,
extrema de sentidos.
uma memória dantesca
do tempo em que o amor o calcinara

.
.
Carlos Henrique Leiros
.
.

[poema livremente inspirado na figura de Pygar]

[intervenção com puzzle e desenho a stabilo art nº 88-89 pp (Carlos Henrique Leiros)]

segunda-feira, setembro 10, 2007

poema do claustro


foi como um clangor
teu despertar, abrir de olhos,
acolhendo a quietude esférica
ao tempo em que inflaste espáduas
na tua cela abobadada e nua
.
vieste amar cada parede e arco,
a ânfora, a água,
refletindo-te o gestual vincado
e os ramos tristes do azevinho
que a poder das mãos arrebataste
.
aí circulas, sombra que do monge
a sisudez de rosto e vestes guarda
bebes da água, põe-te a gosto, é fato
que os dias passarão
com as mesmas nuvens dos teus olhos

.
.
Carlos Henrique Leiros
.
.

[reversal blessing (nathan brusovani)]

quarta-feira, setembro 05, 2007

crisálida


a alma que canta
em pupa, risonha e morta,
como a febre de todas as manhãs
.
traz renovada crusta
e os filamentos das asas
por onde - dizem - luz e vida se imantam
.
o sonho quebrando a casca
envolve
de nobre seda a visão
.
agora tudo farfalha
e pulsa, adelgaçadamente,
como vertigem branca

.
.
Carlos Henrique Leiros
.
.

[out of darkness (debbie caffery)]