sexta-feira, agosto 31, 2007

folhagem


para engolir-te as cerdas
e desmentir a aspereza que teu toque
me provoca
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sorvo nas mãos o filtro do teu verde
macerado em todos os alguidares
qual pomo de luz baça

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Carlos H. Leiros
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[the mother of all perfect]

sábado, agosto 25, 2007

face d'ouro


oh face como se fora d’ouro
alça-me às bordas
onde o sono encontra o fim e o dia avança
suspende-me
por sobre abismo e abismo
com intuitiva força
e eu sendo algum brinquedo
que de suspenso vê melhor o mundo
a cor de cada sombra desenhada
e tu, como se fora d’ouro, frente a mim
face com face, a pele junto aos ossos
hás de dourar-me inteiro com teu fogo.

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Carlos Henrique Leiros
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[no credits]

segunda-feira, agosto 20, 2007

poeta e plenitude


imaginei poetas andando com árvores
que lhes cresceram por dentro
nos ramos se vêem engastados
as cicatrizes da agonia
e os gonzos
de onde pendem lágrimas feito pérolas
como se fossem de faiança antiga
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as árvores, algumas quase exaustas,
de sono ancestral
vão contando os sussurros dos seus donos
e talvez se interroguem
nas porfias de todas as raízes
sobre os comichões
que anunciam a palavra germinada
o porejar vindouro da idéia
quando os poetas adormecem
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e se eles sonham
entorpecidos por uma brisa
que de longe os precipita mar afora
dos seus ramos internos brotam flores
que pensamentos nutrem
acariciam e depois desfazem
como a areia soprada por siringes
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ficam-lhes as árvores
a paz de uma canção silenciada
a vida em nós, em lenho que range
e uma idéia que teima em não ser última.

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Carlos Henrique Leiros
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[trees (keith gerling)]

quarta-feira, agosto 15, 2007

o arcanjo e os versos


que fazes mais, tenaz arcanjo meu,
senão anunciar quão fúteis são
os versos sobre os quais descanso
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a fronte, essa simplória fronte
imberbe,
e a boca que me encerra as vozes?
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se mais inúteis tua força e vaticínio,
tenaz arcanjo meu, pois estes versos,
não tem teus braços fome de alcançar.

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Carlos Henrique Leiros
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[come! come! and seek us here, in these cool deeps (de Hayne's Poems, do poeta Paul Hamilton Haynes, 1830-1886)]

sexta-feira, agosto 10, 2007

uma vestal


vais...
sob a ritmada ondulação dos panos
com poesia envolta
em ramos de lavanda
que a tarde é pura ardência
e um gládio me afivela
como a um proscrito humilha a bastardia
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vais...
que já ruiu a última cidadela
não percebeste a lida dos arautos?
morram suspiros, poesia feneça
encheu-se o ar de uma fumigação
seguindo noite afora, olor de zimbro
e a solidão nos revestiu por dentro

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Carlos Henrique Leiros
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[la poupee (hans bellmer)]

segunda-feira, agosto 06, 2007

de um caderno de anotações



não é para aplacar uma
incessante febre pelo novo,
por requinte, que este
caderno passou a existir.
existe porque dele preciso.
existe por uma questão que
vai além da disciplina.
uma vez que é através dele
que também respiro!

[caderno de anotações - frontispício - junho, 30, 2007]