domingo, outubro 28, 2007

estudo para um desejo à toa



meus pés sobre o linóleo e um bocejo longo,
se antecipando à quietude farta,
e quase tumular da vésper em alvos flocos.
há pouca luz, há folha contra folha.
um livro, a chávena, tenho tudo a postos,
e uma vontade insana de me abandonar.

.
.
Carlos Henrique Leiros
.
.

[le parc & le parc II (no credits)]

terça-feira, outubro 23, 2007

dádiva


como cartas sussurradas,
os anjos adormeceram.
dei-lhes – entre alguns afagos –
a vigilância do mundo,
a sensação dos dedos finos nos cabelos.
.
em troca jogaram guizos,
de suas campânulas de sonho,
que me caíram na fronte,
em lindas pétalas de brancura,
como quando choram os jasmineiros

.
.
Carlos Henrique Leiros
.
.

[inside series (magda marczewska)]

quinta-feira, outubro 18, 2007

cherishing cherries


lado a lado reunidos.
somos gomos, somos sumo.
cereja fendida de amores.
.
no pote a última fruta
escorre, e se esvai como lágrima,
pelos dedos, em rastro de mel na boca.
.
declínio suave e surdo.
é seiva de bordo nobre,
em nossa pele de tapeçaria.
.
que se espraia e que repousa.
nós somos sumo dos gomos.
cereja-sangue fendida.

.
.
Carlos Henrique Leiros
.
.

[white profile (ilkka keshinen)]

sexta-feira, outubro 12, 2007

cidade alta


eu queria falar do que me roça à língua.
uma ilusão qualquer, meio circense,
e prenhe de improváveis óticas.
.
como um passeio por tuas vielas,
cidade minha, hera sobre as telhas,
e algum lodo nos muros furtivos.
.
vais acordando sobre o rio torto.
naquelas águas mortas rumo ao mar.
e faz-te a corte o galo da igreja.
.
que almeja um dia ver-te em novo garbo,
com teus cabelos de vastos anéis,
bailando ao sol.

.
.
Carlos Henrique Leiros
.
.

[it was a coldbright day in april (rebecca kitchin)]

domingo, outubro 07, 2007

toda mulher


a maviosa ponte que irmana extremos,
de perplexidade e encanto,
é como uma mulher em seu leito.
.
efígie de silêncio e ardor,
que se conserva fresca como as limas,
colhidas rente à aurora, e castas.
.
enlevas meu olhar, mulher que arqueia
os braços, outra ponte.
e muitos, como eu, nela se perdem.
.
com um sinal de olhos dar-me-ias,
a única ventura de, à ponte,
poder me debruçar e adormecer?

.
.
Carlos Henrique Leiros
.
.

[feeling yellow series (lilya corneli)]

terça-feira, outubro 02, 2007

notívaga sombra


temo que anotes,
no suor velado do teu cálice,
que o contar dos dias me apavora.
.
e que eu deixo o rosto,
pender sobre o peito sem fôlego,
para que essas lágrimas não sejam de ninguém.
.
vou confundi-las com chuva,
e me ocultar nas sombras.
sobre meu corpo deitar-se-ão véus.
.
de modo a que não mais me reconheças,
no meio de tantos assobios,
de tantos trapos açoitados,
.
na longa noite que me envencilhou.

.
.
Carlos Henrique Leiros
.
.

[cherry garden 1 (vladimir clavijo telepnev)]