sábado, janeiro 31, 2009

pedra de dormir


a pedra dorme lentamente
sob duas espáduas,
duas brasas de amor contido.
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ao tempo em que corriam narrativas
sobre o tremor das almas,
quando repousadas em antigo lombo,
a pedra lisa.
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somavam-se o escopo e a fúria,
fundamento e ângulo,
o que a pedra resumia,
a mágoa por tantos seixos pisoteados.
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para tornar a pedra, além do que se sabe,
perante o homem adormecido,
seu travesseiro e agasalho, uma segunda pele
soprada por Hefesto.


Carlos Henrique Leiros


[untitled (christopher voelker)]

quarta-feira, janeiro 14, 2009

haidée teme o mar


haidée teme o mar,
como um tapete que se desenrola
para esconder-lhe os pés.
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somente os pés, digo-te eu,
não sofras...
o mar tem lágrimas demais.
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e todas insensíveis já,
como os segredos contados ao fogo
de tantas línguas.
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a memória serve para lembrar e esquecer!
um dia há de chegar-te a frase,
e tal encantamento se dará,
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que mesmo o mar vai perder o sentido.


Carlos Henrique Leiros

preferita rolley [mauro quirini]

segunda-feira, dezembro 08, 2008

golem


na fronte ainda úmida,
que a mão moldou, inacabada,
escrevo a sentença que te levará, sem ânimo ou vontade,
a todas as paisagens ocultas pela noite.
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serás a força bruta além do entendimento dos oráculos,
e não conhecerás teus sonhos.
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ninguém te perguntou se na fadiga
dessas mãos de barro algum sentimento adormeceu,
ou se esperam de ti o que não podes dar.
eu sei que, além de saibro, nada existe.
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como te invejo, oh criatura mítica,
pelo que tens: a glória do indefinível!
o barro tudo assume, tudo cala.


Carlos Henrique Leiros


[no credits (elena retfalvi)]

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

a dama de perugini


além do umbral,
onde os rostos se alargam no espaço,
flutua a dama como em arabesco.
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do balaústre, o seu alvo semblante
parece adormecer, enquanto espera,
talvez a surpresa de um beijo.

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Carlos Henrique Leiros
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[the green lizard (charles edward perugini)]


Perugini, Charles Edward [1839/1918]: Nascido em 1839, em Napoles/Italia, Perugini viveu o apogeu de sua arte na Inglaterra, para onde viajou na companhia do grande artista neoclássico inglês Frederic Leighton, de quem se tornou amigo. Teve seus trabalhos aclamados pela Royal Academy. Mais tarde casaria com Kate Dickens [filha do escritor Charles Dickens], também artista. Sua pintura retrata com bastante fidelidade toda a exuberância dos tempos antigos da Grécia e Roma, de cujas culturas foi um fervoroso admirador. O quadro acima - The Green Lizard [oil on canvas]- data de 1902.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

england [in a graceful manner]


partiste, em dia que vai longe, e a metade
do coração que deixaste comigo,
emudeceu, ao se criar um visgo,
em cima da fissura antiga.
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deu-se, afinal, como se repetisse
a mística de quem erra,
o meu exílio, aquela sonolência
eterna e quase indivisível.
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que é estar sozinho,
com o oceano, às vezes longo muro,
e outras como abismo.

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Carlos Henrique Leiros
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[man on dock looking south (rodney smith)]

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

corpo sem fímbria


desperta, corpo sem fímbria,
que teus temores são como as madrugadas,
se acaso supões,
que das ansiedades se comprazem.
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desperta deste abençoado transe,
e não sentirás o vazio
a te lamber os pés, prometo eu,
mas que alguma coisa – como chaga – existe.

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Carlos Henrique Leiros
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[man with umbrella at the old lighthouse (tim holte)]

segunda-feira, janeiro 28, 2008

do palanquim


do palanquim, vê-se a elevação e a greda,
em que se vão depositar os odres,
untados de poesia recusada.
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mas os poetas não ousam chorar.
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levaram junto o que eu deixei escrito,
para queimar, até que o céu se esvaia,
e eu, do cimo deste paquiderme,
seja nuvem.


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Carlos Henrique Leiros
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[shoulder ride (yutaka ozaki)]