terça-feira, julho 31, 2007

a dois mortos


refugo os meus olhares todos
à vossa presença de chuva outonal
atiçando farrapos de velas
bandeiras nos caibros se assanham
como a dizer que a paz já não há
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foi-se a manhã
foi-se a voz aos fiapos
junto com minha sombra numa nuvem em fuga
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imagens restaram guardadas
no vácuo dos sonhos
em reflexos num veio lacrimal que escorre
a indagar do mofo
o que foi feito de vós


para Bergman e Antonioni, mortos de ontem e de hoje...

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Carlos Henrique Leiros
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[poppies no. 2 (Peter Blume)]

quarta-feira, julho 25, 2007

junco


a seiva vergada permite andaimes ao céu
por hiatos cintados
que rememoram ventos e ruídos
ascendendo olhares em seus veios
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a penugem lacustre descortina
um mundo de cicios
que arrastam seus gadanhos n’água
nessa paisagem onde se dorme ou fenece
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e mesmo o lodo em paciente faina
presta a servil mas nobre atividade
de enfatizar a beleza do junco
e suportá-lo...
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como um vão suporta infinitos degraus

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Carlos Henrique Leiros
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[no credits]

terça-feira, julho 17, 2007

a face do desejo


inspiro o último aceno
o recuo do vento em concavidade sobre o rosto
quando enfim domaste a tua voz minguante
à recatada forma de dizer adeus
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e o teu hálito de encanto anunciou
enevoando, entre solene e triste,
o tênue véu do meu entendimento
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que para além da face de todo desejo
existe um gosto seco e avaro
que desce pelas angusturas

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Carlos Henrique Leiros

[no credits (Trina McKillen)]

quinta-feira, julho 12, 2007

ascender


dize, pois, de uma vez por todas
se queres te ombrear às facas
às pérfidas zagaias que o destino aponta
ou simplesmente adormecer em lençóis alvos
nos vestíbulos preparados pela dúvida
quando as noites silenciam
.
dize, também, e desta vez não tardes
se vais ao cabo de alguns passos trôpegos
galgar degraus da minha escadaria
em espirais que n’alma refugiam
uma sustentação de anseios, ou se estás
mais uma vez fadada ao triste olvido
.
dize...
e todas as portas se te fecharão

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Carlos Henrique Leiros

[no credits]

sábado, julho 07, 2007

a canção submissa


tens por carícia um contato de folha nodosa
e dispersa e crestada, és assim
como a rosa esquecida, a canção submissa
que ouvida esta noite me fez despertar
e correr pelos muros febris
pela terra inconclusa
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se o vento dissolve tua melodia
eu me perco sem volta
eu me sinto afundar
sem saber que a canção rarefeita foi feita em meu nome
nos muros febris
por entre os filodendros

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Carlos Henrique Leiros

[big issue[?](rebecca kitchin)]

terça-feira, julho 03, 2007

sinuoso andar


deixo correr meus dedos sobre o ábaco das tuas costelas
em sinuoso andar
meneios de chalupa que deriva
buscando ancoradouros, reentrâncias
como um visitante na ancestral Hiperbórea
a contemplar suas cúpulas e minaretes
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receio repousar perdendo a hora
a contagem das borlas inexatas que te dividem os flancos
o circular das conchas em sifão
se quando envergas arrebatadora
conduzes dedos, palmas, unhas feito côdeas
a minha mão inteira contra a tua
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meu sinuoso andar vagueia então
se destribando
não mais cidade de luzes eternas
a felicidade adormeceu
enfim

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Carlos Henrique Leiros

[no credits]