quarta-feira, novembro 28, 2007

o lugar do escritor e seu caos peculiar


depois da maravilhosa leitura de O Lugar do Escritor, de Eder Chiodetto [Editora Cosac & Naify, 2002, São Paulo], neste último feriado longo, minha cabeça andou à roda. não pude deixar de me imaginar, num supremo ato de jactância e bufonaria, sendo entrevistado para falar de coisas bonitas e empoladas. eu era um escritor!
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eu seria clicado aqui no velho escritório, disparando fleugma pelos olhos, dândi até não mais poder. depois, para explicar a azáfama do ambiente, diria que este caos me faz bem, deixa-me à vontade para escrever, e que muito me satisfaz estar em contato com quinquilharias que ninguém imagina ter algum valor, como uma pirâmide de pedra sabão, latas de chá Twinnings vazias, a coleção de cortiças de vinho, pesos de papel e velas anti-fumo.
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mostraria ao jornalista meus livros e discos e, por fim, a bancada aí da foto, onde costumo me debruçar para escrever poemas. ele, por educação, acharia linda a bagunça, mal contendo um risinho de canto de boca. mas eu não me importaria. os amigos enxergariam minhas pequenas vaidades com benevolência.

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Carlos Henrique Leiros
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[o lugar do escritor e seu caos peculiar (carlos henrique leiros)]



legenda [l. to r.]: cachimbo; fumo borkum riff de cereja, tipo cavendish; agenda preta de endereços; caderninho para anotações de viagem, em capa vinho, tipo pocket; pastilhas de hortelã; óculos bulget; caneta stabilo, cor vinho; caneta nanquim uni pin, descartável; tubo de cdrs; relógio quadrado tissot [de estimação]; puzzles like you – novo cd do mojave 3; folha de papel com poema inédito e recusado; embaixo da folha de papel, caderno de anotações moleskine, tipo notebook plain journal.

sexta-feira, novembro 23, 2007

o naufrágio da intenção


entre a palavra dita e o silêncio,
existe o naufrágio da intenção.
aquilo que nos corrói e empurra porta afora
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sem cicerones e sem rota,
como nuvens em fuga.
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não há poema que não se distenda
até o desmaio, espichando suas pernas de agrippa,
na última busca por luz.
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mas eis que o lume se apaga,
caprichosamente, sem que sejam ouvidos
os nossos arranhões à porta.

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Carlos Henrique Leiros
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[contraluz # 2(josé boldt)]

domingo, novembro 18, 2007

as pequenas descobertas


sabias que esta noite eu desejei
que a vida, seguindo um simples capricho,
passasse a desvendar todos os atalhos,
e nos conseguisse encontrar?
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para trazer à minha volta,
o teu sorriso de pólen e a falsa
excitação do abismo sob os pés.
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que todos os cabelos ao luar revoltos,
se transformassem em borlas de algas tenras,
passamanaria entre nossos dedos.
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foi quando ouvi o choro dos ciprestes,
e abrindo os olhos,
eras novelo perto do meu rosto,
espelho opaco mas sensível
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às minhas mãos em cunha,
buscando nos teus ângulos,
a presença do sopro que me anima:
a tua luminosa quietude.

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Carlos Henrique Leiros
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[tree with loopy branch (tim holte)]

terça-feira, novembro 13, 2007

as armas do poeta


o poeta não existe como carne exposta,
aos olhos curiosos e aos bons-dias.
o seu ofício é erigir pirâmides,
com floresta ao derredor,
e tão longínquas quanto as velhas lendas.
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ao ser tocado o poeta adormece
e murcha. à cupidez dos dedos se entrega.
mas nada o abrange, nada o circunscreve.
é como a luz filtrada por zimbório.
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e em vertigem de incontrolável ardor,
o poeta é único. e a poesia,
fendendo-se à luz que dela própria emana,
cinge-lhe a alma, e cinge-lhe também,
com imaculada opa, o seu entendimento.

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Carlos Henrique Leiros
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[where (marino thorlacius)]

quarta-feira, novembro 07, 2007

das musas que se foram


cinzas lancei,
no dia em que as musas se calaram,
e sacudindo a cor de suas vestes,
seguiram meu olhar, em direção ao norte.
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conservo delas algumas lembranças:
beijos roubados na escuridão,
de lábios vagos e sobressaltados,
como mexilhões entreabertos.
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feliz não digo que fiquei, mas quando
me vejo saciada em cinzas e inocência,
sinto nos ossos, nervos, carne, poros,
como se houvera nascido repleta.

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Carlos Henrique Leiros
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[salome (ivan pinkava)]

sexta-feira, novembro 02, 2007

a derradeira aljôfar


diz-me teu canto, tua lágrima,
muito mais do que beleza ou estigma,
de caminho aquoso rumo à boca.

diz-me bem mais, se jaz em tua fronte
o vau de rio seco.
o teu pranto fluiu, mas não morreu.

ainda vejo a derradeira aljôfar,
se debruçar no parapeito das tuas maçãs,
para esvair-se.

e revelar o âmago de tudo:
onde água em fuga, hoje é tristeza apenas,
de amargo canto e incontrolável gosto.

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Carlos Henrique Leiros
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[winter's teardrop (phil gaines)]